segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Filho número seis

Nos últimos dias tenho me  perguntado: para que escrever essas estórias? Será mesmo que irão interessar a outras pessoas? Será que não seriam interessantes somente para mim já que fazem parte da minha vida? Bem, acho que não, pelo menos essa que vou contar agora, pois nunca ouvi nada parecido e traduz bem o tipo de mãe que era a nossa.
Era uma noite fria, a sensação de ferro frio dos brinquedos nas minhas mãos, guardo até hoje. Como de costume, quando minha mãe não trabalhava à noite em casa ela nos levava para brincar no parque: parquinho ou parcão eram dois parques perto de nossa casa, o nome estava diretamente relacionado aos respectivos  tamanhos de cada um. Naquela noite estávamos no parcão. Nos intervalos dos brinquedos sentava ao lado de minha mãe e conversávamos sobre o seu sexto nenê que ela estava esperando. A minha expectrativa era grande, pois era a primeira vez que vivia essa experiência de ganhar um irmãozinho ou irmãzinha.
Os seus cinco primeiros filhos nasceram de dois em dois anos. Como dizia ela, eu era a número cinco, a caçula dessa primeira leva.
Na madrugada fria do dia 23 julho acordei com o barulho da minha mãe e a nossa querida Zezé que trabalhava e morava em nossa casa se preparando para sair. Então perguntei: aonde vocês estão indo? Minha mãe disse: buscar o bebê. Uma mistura de sentimentos tomou conta de mim: ciúmes, afinal deixaria de ser a caçula; felicidade, pois estava ganhando mais um irmãozinho e o primeiro mais novo do que eu; medo do desconhecido, pois sabia que muitas coisas em casa estavam prestes a mudar, mas não sabia exatamente o que; curiosidade, o que seria menino ou menina? também não sabia em termos práticos se haveria alguma diferença, se menina talvez pudesse significar uma amiguinha, mas não obrigatoriamente; se menino talvez um amiguinho, mas também não podia ter certeza, e que aparência teria? Até passar a ansiedade demorou algum tempo, então voltei a dormir. Por volta de 9 horas da manhã meu pai me levou junto com a Ita ao hospital conhecer o número seis.
Passados seis anos desse dia, o Dú, o número seis, andava atrás da minha mãe incansavelmente pedindo uma bola de capotão. E foi aí que começou essa estória. Minha mãe não tinha condições de comprar a bola. Mas, depois de muita insistência, minha mãe foi à uma loja e fez a compra para pagar em parcelas. O Dú era a felicidade em pessoa, finalmente ele tinha uma bola de capotão como sonhava. A felicidade não durou muito, passados uns dias ele chegou chorando em nossa casa. Minha mãe perguntou o que havia acontecido, ele só conseguiu falar  depois de alguns minutos quando conseguiu para de chorar: o ônibus passou por cima da minha bola e estourou. Ninguém conseguia acreditar. Mas, depois de muito choro, minha mãe voltou à loja e comprou outra bola.
Alguns dias mais tarde, o Dú chegou em casa novamente aos prantos. Eu pensei: será possível que o ônibus passou e estourou a outra bola também? não, não podia ser isso. Todos olhavam fixamente para o Dú querendo saber o que afinal havia acontecido dessa vez. Quando finalmente ele conseguiu se recobrar ele contou o seguinte: eu estava jogando bola com meu amigo na congregação, então chegaram uns moços e mandaram eu e meu amigo sairmos da quadra. Eu e meu amigo saímos e continuamos jogando bola do lado de fora da quadra. Mas, um dos moços veio e chutou a bola tão forte que não consegui mais achar. Ah mãe, fiquei de novo sem bola!
Minha mãe disse: comprar outra bola não posso, o Dú ficar sem bola não é justo, vamos lá que eu resolvo essa estória.
Silêncio geral, o que será que ela iria fazer? como será que resolveria a estória? Estávamos todos em pânico.
Seguimos todos para a congregação. Estava havendo um jogo de futebol, os jogadores estavam uniformizados e havia até juiz e bandeirinhas. Lá ficamos todos parados esperando para ver o que iria acontecer. Depois de alguns minutos, a bola veio para fora e o juiz ia pegar, ia pois minha mãe se adiantou e correu pegar a bola antes dele. O juiz parou estarrecido olhando, sem entender nada, para ela. Ela falou: meu filho estava jogando bola com seu amiguinho ao lado da quadra. Um de vocês pegou a bola e a chutou para longe. Enquanto vocês não lhe devolverem essa bola o jogo vai ficar parado. Eu gelei tentando imaginar qual seria a reação daqueles 22 jogadores titulares;  mais o juiz e bandeirinhas; e ainda os jogadores reservas. Felizmente, a reação de todos foi sair procurando a tal bola. Passado algum tempo, um dos jogadores apareceu com a bola do Dú. Então, minha mãe com a maior calma que lhe era peculiar, devolveu a bola ao juiz e ainda agradeceu.
Voltamos felizes para casa, pois o Dú novamente tinha uma bola de capotão e iria sossegar, mas por quanto tempo ninguém sabia. E nem imaginávamos se teria mais capítulos essa estória ou não e o que mais ainda poderia acontecer com a bola de capotão do Dú.

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